EQUADOR EM QUATRO TEMPOS
Narrativas de Bolso
****
Edvaldo Pereira Lima
1 – Chegando Aqui
****
São dessas coisas boas do mundo pós-moderno globalizado. Sim, acontecem. Nem tudo é só desgraceira na aldeia global em que nos tornamos.
Deixe-me explicar. A origem desta viagem.
Havia crédito de milhas a expirar na minha conta do programa de viajante frequente da American Airlines. Decidi conhecer o Equador, um dos poucos países – ao lado das Guianas – da América do Sul que não conhecia. Só que a American não voa do Brasil direto para lá.
Por sorte, porém, acontece que a American faz parte da aliança One World, da qual participa também a Latam que voa de São Paulo para Quito, com conexão em Lima. E sim, informou-me a American, eu poderia usar as milhas-prêmios na Latam.
Pronto!
Então embarcamos eu e Frances num voo matutino em Guarulhos, driblamos as seis horas de espera de conexão em Lima visitando o duty free e chegamos a Quito no começo da noite, prontos para o desafio de aclimatação a mais rápida possível a uma das capitais mais altas do mundo. 2.850 metros acima do nível do mar.
Sabe aquela coisa de tomar chá de coca para mais rápida adaptação ao ar rarefeito das altitudes elevadas, prática comum em Lima e em La Paz? Beber muita água, comer pouco e leve, dormir muitas horas assim que desembarcar? Tudo para não sofrer do mal das alturas, a ânsia de vômito, a tontura, a dor de cabeça, a incapacidade de as pernas responderem aos passos que precisa dar, o fôlego curto dos primeiros dias?
Logo vou descobrir que no Equador não é tão comum essa prática. Não encontro chá de coca em nenhuma das lanchonetes do terminal de passageiros, assim que desembarcamos no mais novo aeroporto da América Latina e Caribe. Aeroporto Internacional Mariscal Sucre, chamado também de Aeroporto Tababela, inaugurado em 2013.
Substitui o antigo na capital do Equador, localizado no centro da cidade, que era um tormento para as operações aéreas. Montanhas em torno, o espaço urbano que o comprimia. Até o time do Corinthians teve um problema lá um dia de maio de 1996 após um jogo pela Copa Libertadores da América. O avião não conseguiu decolar. A pista muita curta, o Boeing 727 bateu num muro de proteção ao final. Poderia provocar uma tragédia.
Isso jamais aconteceria em Tababela, o nome da comunidade onde foi construído, a uns 30 quilômetros do centro de Quito. A pista de decolagem e pouso tem 4.100 metros de comprimentos, margem de segurança suficiente, daria para pousar com folga até as antigas naves espaciais Shuttle americanas.
Administrado por um consórcio capitaneado por uma organização canadense, tem conquistado prêmios internacionais importantes de reconhecimento à qualidade dos serviços e gestão. Melhor aeroporto da América do Sul, melhor aeroporto em qualidade dos serviços de seus profissionais ao público, na região.
O projeto administrativo compreende um forte compromisso com a sustentabilidade e a responsabilidade social, procurando envolver as comunidades locais em seus projetos, inclusive um de horta orgânica em que produtores da região já comercializam o que produzem em loja no complexo aeroportuário. O terminal de passageiros – modesto em tamanho se você compara a Guarulhos, o maior aeroporto sul-americano, em São Paulo – está conectado a um centro comercial moderno e vistoso, inaugurado há relativamente pouco tempo, do outro lado da rua.
Divulgação – Quiport
Sou fã disso. De encontrar, em países dos quais guardamos alguma imagem de estereótipo de atraso, sinais de iniciativas que quebram nossos padrões, casos que demonstram vitalidade transformadora. Fico contente em constatar o progresso dos outros.
E não é para isso que servem as viagens? Para confrontar nossas imagens congeladas no tempo com a realidade que escancara nossos preconceitos, nossas visões estáticas dos outros? Para nos iluminar os choques culturais e os contrastes entre nossa própria sociedade e as que são estranhas a nós? Para mostrar o que nos torna diferentes e os que nos torna iguais, nesse mundo que se descobre cada vez mais parecido e paradoxalmente cada vez mais diversificado, múltiplo?
Tababela é a primeira surpresa que o Equador traz. A segunda é a qualidade das estradas.
O motorista de táxi que nos leva ao Hotel Stubel confirma o que constatamos: estrada super bem pavimentada, muito bem sinalizada. Sai de uma, entra noutra, a qualidade continua. Pergunto ao motorista, ele amplia o retrato: a grande maioria das estradas nacionais no país está em ótima condição, e não apenas as que servem a Quito.
País dos mais pobres da América do Sul e dos menos visitados por brasileiros, o Equador é essa primeira surpresa dupla. Infraestrutura de transportes.
Sim, ok, o Equador é procurado turisticamente em particular por Galápagos, o arquipélago no Oceano Pacífico que, dizem, foi palco de inspiração para Charles Darwin e seus estudos famosos – agora contestados em ilhas de vanguarda da ciência – sobre a evolução das espécies. Mas esse pequeno país de cerca de 256 mil quilômetros quadrados de território, população de aproximadamente 16 milhões de pessoas, reúne uma diversidade geográfica, social e cultural marcante. A costa, no Pacífico, a selva, na Amazônia, os Andes e seus vulcões, no coração do país.
Eu poderia ter escolhido Galápagos. Mas viajei atraído especialmente pelos aspectos diferenciais. Quase sempre, quando viajamos, queremos vivenciar o que é diferente de nós. Por isso não incluí a costa do Pacífico na viagem, deixei de lado Guayaquil e Manta, já que o Brasil é pródigo em praias. Também não quis a Amazônia equatoriana, deduzindo que não haveria nada muito diferente do que pudesse conhecer na Amazônia brasileira. Mas os Andes, os povos nativos das montanhas de alta altitude e sua cultura são um atrativo especial.
Por isso, Quito.
Também nessa perspectiva, a escolha do simpático, pequeno e aconchegante Hotel Stubel, que Frances descobriu pesquisando na internet, conferindo as avaliações do TripAdvisor.
Dali, ao lado do Mirante de Guápulo, você vê a imponência dos Andes em torno e no horizonte ao alcance escondendo-se sob a vegetação abundante, as escarpas das alturas, os pequenos prédios de característica colonial espanhola, a casinha isolada em meio à montanha em frente cujo topo se perde na neblina. Mais abaixo, logo vamos saber por um dos garçons do hotel, escondida entre as dobras do morro que se abre para o vale nas alturas, está a vila construída sobre a cratera de um vulcão inativo.
Os vulcões. São vários em torno. Com dia de céu limpo, diz o garçom, da cidade se pode ver o mais próximo deles, o Cotopaxi e seu eterno topo nevado.
Viagem é isso. Exploração do diferente. Busca de compreensão e contexto. Ponte entre diferenças e semelhanças.
Mas é especialmente gente. Viagem é mergulho em lugares, tempos e pessoas.
Por isso, na continuação dessa mini-série, em breve, Olga Fisch e sua história. A judia húngara que revolucionou o olhar contemporâneo sobre a arte nativa equatoriana.
Aqui neste primeiro texto, foto de divulgação do aeroporto de Quito e um registro do panorama da nossa janela de hotel por Frances RoseLotus. Para seu deleite de explorador de paisagens, mundos e gente.
Frances RoseLotus
CONTINUA
Responses