A nova fronteira da mente

A nova fronteira da mente

 

Edvaldo Pereira Lima

A sabedoria popular alimenta uma antiga  suspeita  que começa a despertar o interesse da ciência moderna:  a idéia de que o pensamento  cria e transforma a realidade concreta.

Muita gente aceita a idéia de que manter uma atitude mental otimista e alegre – o “alto astral” – contribui para gerar situações  positivas nas  vidas das pessoas.  Aceita-se, também, que  uma atitude pessimista – o “baixo astral” – igualmente atrai ocorrências ruins. Em situações de doenças, o paciente que não se abate, levando a vida o mais normalmente possível, como se nada estivesse acontecendo, em geral recupera-se mais rapidamente do que o indivíduo que se rende ao sofrimento. 

No esporte, a vontade inabalável da vitória remove montanhas. Gostemos ou não, durante o campeonato mundial de futebol de l994, o técnico Parreira demonstrou uma inquebrantável serenidade  contra a pressão contínua de milhões de torcedores, da mídia, do Pelé e até da mãe dele… Zagalo dizia desde o começo que o time  – cá para nós, mesmo estando longe do brilhantismo de outras eras –  iria “chegar lá”. Romário afirmava a todo o instante que aquela seria a Copa do Brasi e a Copa do Romário.

 

Quem viu o documentário oficial da Fifa nos cinemas, vai se lembrar da cena super significativa momentos antes da entrada em campo de Brasil e Itália, no jogo final: Romário com a expressão auto-confiante, determinado, enquanto Baggio,  na fila ao lado, olha-o com uma face de quem tem missão impossível pela frente, quase que derrotado previamente, aceitando uma realidade que ainda não se concretizara.  Na hora dos penâltis, Romário acertou o dele.  Baggio, não, selando o destino da Copa.

No âmbito científico, situações como essas – que levantam suspeitas da interferência da mente sobre a matéria e também  de realidades sutis como os campos eletromagnéticos  sobre a matéria – motivam  agora pesquisas de ponta de universidades de prestígio mundial, como Harvard, Princeton e Stanford. Embora o tema seja complexo e delicado, os resultados já apontam para um surpreendente caminho que amplia consideravelmente o conhecimento do ser humano sobre si próprio e sobre a realidade que o envolve.

A famosa Princeton, por exemplo, desde  1979 conduz um rigoroso programa de pesquisas sobre a interação entre a consciência humana, de um lado, instrumentos e equipamentos de precisão, de outro.  Milhares de experimentos já foram feitos em que  operadores humanos, através unicamente da vontade mental, alteram o funcionamento  de máquinas e equipamentos eletrônicos, óticos e acústicos.  Os efeitos provocados, embora modestos em quantidade – apenas uns poucos para cada 10.000 experimentos -, são estatisticamente repetíveis. Ao mesmo tempo, Princeton estuda fenômenos em que pessoas captam  mentalmente e descrevem paisagens que estão sendo vistas por outras pessoas, situadas geograficamente  distantes e em locais selecionados ao acaso, desconhecidos das primeiras.

As implicações e aplicações dessas pesquisas têm um alcance revolucionário. Os cientistas de Princeton sugerem que a consciência – o conjunto de pensamentos, sentimentos, vontades e sensações que formam o processo pelo qual o homem percebe a si próprio e ao mundo –  é um agente ativo na constituição da realidade física.  Como a consciência é um atributo da mente, através da vontade consciente o homem poderá aprender, com a evolução dessas pesquisas, a intervir em situações tecnológicas que hoje parecem ficção científica.  Os pesquisadores de Princeton antecipam o futuro em que o homem também usará a mente – além do seu físico – para comandar aviões, equipamentos de salas cirúrgicas, máquinas de controle ambiental e de salvamento em acidentes.

Resultados estimulantes também têm sido apontados pelo Centro de Ciências Limítrofes, uma unidade transdisciplinar da Universidade Temple, na cidade de Filadélfia, nos Estados Unidos. O Centro, criado em l987, dedica-se a estudar áreas da ciência que desafiam os parâmetros corriqueiros da pesquisa tradicional, porque requerem novos instrumentos e modos de abordagem da realidade.  Em especial, realiza estudos da consciência, visando ampliar o conhecimento da mente e  pesquisando a relação mente-matéria em áreas como a medicina, novas tecnologias de produção de energia e o bioeletromagnetismo.

Esse último termo aplica-se a uma ciência nova, que estuda os campos eletromagnéticos artificiais e naturais e suas relações tanto com a vida quanto com a saúde. Investiga, por exemplo, os efeitos danosos que podem causar ao sistema imunológico humano os campos eletromagnéticos formados pelas redes de transmissão de eletricidade, da faixa entre 50 e 60 Hertz,  situadas muito próximas a residências.  Pesquisas epidemológicas relatadas pelo Centro indicam que, nos Estados Unidos, pode haver uma relação importante entre essa proximidade e a incidência de leucemia em crianças. Suspeita-se, também, que as ondas emitidas por estações de radar provocam efeitos biológicos ainda não totalmente compreendidos, assim como a exposição freqüente e intensa a entroncamentos de linhas telefônicas pode afetar os operários.

Um dos experimentos mais significativos que o Centro endossa, pesquisando a interferência da mente sobre a matéria, foi realizado pelo psicólogo Jacobo Grinberg-Zylberbaum, da Universidade Autônoma do México.  Grinberg-Zylberbaum conduziu uma série de pesquisas em psicofisiologia, baseadas no conceito de ordem implícita, estabelecido pelo físico téorico David Bohm, falecido em 1992.    

Bohm criou a teoria holográfica da ordem implícita e explícita do universo. Um holograma é uma estrutura tridimensional que pode ser vista  de vários ângulos.  Ao mesmo tempo, qualquer parte de uma estrutura holográfica contém o seu todo, isto é, os elementos essenciais que constituem a totalidade da qual faz parte. Por exemplo, em biotecnologia reproduz-se em laboratório uma palmeira completa, a partir de uma folha de outra palmeira que lhe serviu de clone.  Quer dizer, a folha contém, potencialmente,  os elementos essenciais que constituem a palmeira como um todo.  

O universo é entendido por Bohm como uma totalidade  indivisível, um campo unificado, apoiando-se na Teoria da Relatividade de Einstein. Assim, uma ordem total  – a condição em que todos os elementos que constituem o universo se organizam – está contida, como matriz informativa implícita, na própria  ordem explícita, que é o que  que observamos concretamente da realidade.   Deste modo, teoricamente, a mente de uma pessoa seria capaz, em condições apropriadas, de acessar a ordem implícita e portanto comunicar-se diretamente com a mente de outra pessoa em local distante. Poderia comunicar-se com todo o universo.

O psicólogo Grinberg-Zylberbaum decidiu pesquisar se existe uma relação observável entre essa ordem implícita e o funcionamento biológico do cérebro – que é o instrumento de expressão utilizado pela mente -, durante o ato de percepção da realidade.  Constatou que processos altamente abstratos do pensamento não são um subproduto da atividade cerebral, mas sim uma condição fundamental que não se reduz à matéria.  Os resultados também mostraram que há interações eletroencefálicas entre cérebros de pessoas distanciadas entre si.

Como parte das pesquisas, uma dupla de voluntários era submetida a um processo de interação até alcançar um bom grau de comunicação não verbal.  Em seguida, cada parceiro era separado um do outro e os dois eram confinados em câmeras fechadas, a prova de som, distantes de três a 15 metros uma da outra.  Um dos dois voluntários recebia vários estímulos – sons, flashes de luz, choques elétricos -, o outro, não.  Os registros eletroencefalográficos do voluntário que não recebia os estímulos eram bastante similares, em 25% dos casos, aos do outro voluntário.  Mais de 50 experimentos foram realizados nos últimos sete anos. Embora o resultado seja modesto, estatisticamente, o pesquisador considera-o relevante, porque quando os voluntários registram “transferência de potencial” – termo que constata padrões próximos de ondas cerebrais dos voluntários, significando que o cérebro de um “percebeu ”  sinais dos estímulos que o outro estava efetivamente  recebendo -, tal condição repetia-se em experimentos subsequentes.  E no dia que o par de voluntários era constituído por um casal jovem apaixonado, as similaridades morfológicas das ondas cerebrais de ambos, registradas no eletroencefalograma, foram consideradas extraordinárias.

O pesquisador concluiu que a percepção da realidade  é o resultado da interação entre o campo neural – formado pelos neurônios, que são as células nervosas – e a matriz de informação contida na Ordem Implícita. Essa matriz, a seu turno, conteria informações sobre todos os campos neurais existentes. Assim, o cérebro interage com essa matriz, decodifica seus sinais e acaba por vê-los “transformados” em objetos, espaços, formas e outros elementos que constituem a realidade perceptual.  Em outras palavras, a Ordem Explícita.  Também sugeriu que há interações diretas entre diferentes campos neurais, ou seja, entre diferentes cérebros.

Resultados como esse fazem o Centro de Ciências Limítrofes da Universidade Temple sugerir, em seus documentos oficiais, que não há separação entre a mente e a matéria.  Também indicam que  a mente interage com a matéria de um modo que transcende os limites da dimensão tempo-espacial convencional.

Quem exulta com esses resultados é o ex-astronauta Edgar Mitchell, doutor em astronáutica pelo prestigioso M.I.T. – Massachusetts Institute of Technology -, sexto homem a pisar na lua e ele próprio um dos pioneiros do estudo avançado da consciência.    “Já vínhamos estudando fenômenos anômalos dessa natureza há anos, mas não tínhamos um suporte teórico que nos ajudasse a explicá-los”, comenta.  “Esse suporte surgiu com a questão da não-localidade na física quântica, que nos dá hipóteses testáveis.” Mitchel também faz menção à Ordem Implícita –  entendendo-a como a estrutura subjacente à matéria -, cujo conceito facilita elaborar equações  quanto-mecânicas capazes de explicar, a seu ver, como a mente  funciona na interação com esse lado sutil do universo e na interação com a matéria .

A não localidade é um conceito estabelecido pela física quântica que constata a existência de  conexão instantânea entre objetos aparentemente separados   um do outro. Einstein foi o primeiro a tocar no assunto, porém, antes dos físicos quânticos.  Identificou-o.  Mas não conseguiu explicar o fenômeno da correlação entre objetos distanciados entre si, achando-o “esquisito”, porque sua Teoria da Relatividade diz que nada (nenhum sinal, por exemplo) pode viajar mais rápido que a luz. 

De qualquer modo, o fenômeno é constatável.  Se um par de fótons – um fóton é uma unidade minúscula da energia eletromagnética – é colocado junto e depois separado no laboratório, quando a polaridade de um é medida, o outro apresenta exatamente a polaridade oposta. Por analogia, a física norte-americana Danah Zohar diz que se tivesse uma irmã “quanticamente gêmea” dela, vivendo em Nova Iorque e ela em Oxford, na Inglaterra, e que não se vissem ou falassem há muitos anos,  no momento em que decidisse fazer um curso de dança, a irmã poderia ter a mesma idéia, do outro lado do Atlântico.  No instante em que, na aula, levantasse o braço esquerdo, sua irmã estaria levantando o direito.

A idéia é que a realidade tal como encarada pela física quântica é um todo integrado, uma teia de correlações no tempo e no espaço. Tal concepção bate de encontro com a velha idéia de que tudo que existe no mundo é divisível e separado. A mente é uma coisa e o corpo é outra, diz essa abordagem.

Mas gente como Edgar Mitchell, por reflexão científica e por experiência pessoal, tem constatado que essa afirmação pode não ser mais adequada para expressar a realidade.  Na sua viagem à lua em l971, como tripulante da Apollo 14,  Mitchell vivenciou um profundo sentimento de que o universo todo é inteligente e uma consciência viva, integrada.  Treinado porém no rigor da ciência, aliou esse lado subjetivo a um experimento pessoal da qual nem a NASA tinha conhecimento.  Da lua, fez uma experiência de telepatia, transmitindo à Terra, para cientistas amigos seus, previamente convidados, mensagens mentais simples, contendo formas geométricas  e números.  Ao regressar, constatou um número significativo de acerto, por parte dos colegas que tentaram captar sua emissão telepática.

Entusiasmado, Mitchell deu-se a missão de criar um centro de pesquisas da mente, da consciência e do conhecimento.  Na época, as universidades tradicionais estavam pouco afeitas a pesquisas nessa direção.  Por isso, instituições independentes, como a sua, são as que deram partida a estudos dessa natureza.  O ex-astronauta fundou sua organização em l973, com o nome de Instituto de Ciências Noéticas.  O termo “ciências noéticas”, tirado da palavra grega nous, que significa mente, inteligência e modos de saber, aplica-se ao estudo da mente e dos diversos modos de saber, numa abordagem interdisciplinar.  Aos poucos, Mitchell reuniu em torno de si  personalidades importantes da ciência, como  Willis Harman, professor emérito da Universidade de Stanford, que acabou assumindo a presidência do Instituto.  

Mitchell, que esteve no Brasil para o evento “Imaginária 95”, que discutiu temas como o tratado por esta reportagem, explica o princípio básico que norteia o Instituto de Ciências Noéticas, e porque o considera indispensável para as pesquisas científicas hoje em dia:

“A ciência concentrou-se tradicionalmente no objeto, mas ignorou totalmente o sujeito. O único conhecimento que acontece, porém,  é dentro do homem. Então a ciência tem de desenvolver urgentemente uma epistemologia que se volte para a compreensão  da experiência subjetiva da realidade, que ocorre apenas no interior do indivíduo. A ciência apoiou-se apenas nos cinco sentidos externos, mas a não-localidade ajuda a entender o outro sentido importante, o interno”.

O cientista e autor Peter Russell, doutor em psicologia pela Universidade de Bristol e também físico teórico, que esteve no Brasil junto com Mitchell para o “Imaginária 95”, reconhece porque a ciência só agora está se abrindo para os estudos da consciência:

“A ciência, nas últimas centenas de anos, pôs a consciência de lado por duas boas razões. Ela não pode ser medida, pesada ou observada como observamos os minerais.  E a ciência tentou ser objetiva, procurando chegar à verdade, independentemente do estado de consciência do observador.  Isto é, tentou deixar a mente fora do processo.  Mas agora temos a física quântica e também a neurofisiologia, que está mostrando como os neurotransmissores afetam nosso estado de consciência.”

A cura pela mente

É a evolução recente das neurociências que proporciona os avanços mais notáveis das pesquisas sobre consciência.  O Instituto de Ciências Noéticas tem dedicado boa parte de suas pesquisas para estudar a relação entre a mente e a cura de doenças.

As pesquisas que o Instituto tem registrado e divulgado concentram-se em três áreas gerais que tratam da influência da mente sobre o corpo.  A primeira é a pesquisa fisiológica, que focaliza os processos básicos que unem o cérebro e o sistema nervoso ao resto do corpo.     

O mais significativo feito dessa linha de pesquisas foi o surgimento da psiconeuroimunologia, que busca compreender as conexões entre  as atividades do cérebro e do sistema imunológico. Até recentemente, a noção vigente era de que essas duas partes do corpo eram totalmente independentes.  Mas agora as pesquisas revelam que os neurônios ligam-se diretamente ao sistema imunológico, “falando” na mesma linguagem bioquímica.  Também sugerem que hormônios como a adrenalina, assim como fatores psicológicos e sociais afetam a qualidade da resposta imunológica do organismo.

A segunda linha de pesquisas, a epidemológica, estuda os aspectos psicológicos e sociais relacionados com o estado de doença.  A psicóloga norte-americana Lydia Temoshok constatou, ao estudar durante 10 anos portadores de um câncer de pele chamado melanoma, que invariavelmente apresentavam um padrão de comportamento marcado pela excessiva contração emocional, especialmente a raiva.  Condoiam-se do sofrimento dos outros e se desdobravam em atenção para agradar aos outros e a figuras de autoridade, mas reprimiam intensamente seu próprio medo e tristeza.

Ao mudar esse padrão de comportamento, mediante tratamento psicológico, os pacientes melhoravam notavelmente sua condição biológica. Terapias que unem o tratamento do corpo ao tratamento da mente têm revelado um fortalecimento sensível da resposta imunológica e extensão de tempo de vida para os pacientes. Resultados preliminares reforçam essa evidência no Instituto do Câncer de Pittisburgh, na Escola de Medicina da Universidade da Califórnia e  no Royal Marsden Hospital de Londres.

A terceira linha de pesquisas, a clínica, concentra-se em criar  programas de reeducação da mente para que melhore e fortaleça a saúde do corpo.  Recursos como o relaxamento e a meditação  possibilitam à mente regular funções corporais como a temperatura da pele, o fluxo urinário e as contrações dos vasos sanguíneos.    Na Universidade de Harvard, pesquisas demonstram como a meditação – atividade que conduz à concentração mental do indivíduo em si mesmo  ou também simultaneamente num objeto externo –  regula a atividade elétrica do cérebro, geralmente baixando-as para o nível das ondas alfa.  Com isso, a meditação pode gerar o equilíbrio físico e psicológico da pessoa,  baixando a pressão arterial e o nível de dor crônica, por exemplo. No Centro Médico da Universidade de Massachusetts, um programa que combina meditação, prática de ioga e grupos de suporte psicológico tem atingido resultados parecidos. Na Escola de Medicina da Universidade de Stanford, grupos de suporte, hipnose e técnicas de visualização criativa têm contribuído para prolongar mais l8 meses, em média, as vidas de mulheres com câncer dos seios.

A visualização criativa consiste na projeção visual mental que a pessoa faz, na parte interna de sua testa – de uma situação desejada.  A técnica serve para “educar” a mente, dirigindo a vontade para um objetivo específico ou para uma situação genérica que se queira imaginar, como uma sensação de bem estar, por exemplo. Pode servir também para que a “tela mental” receba passivamente uma imagem espontânea que traduza o estado ou a situação de nosso corpo, de órgãos físicos ou da pessoa como um todo, num dado momento.

A técnica popularizou-se a partir da chamada Teoria dos Hemisférios Cerebrais, que garantiu ao neurologista norte-americano Roger Sperry o Nobel de Medicina ou Fisiologia de  1981.   Compreendeu-se que enquanto – na maioria das pessoas – o hemisfério esquerdo processa o pensamento lógico, tendo como linguagem a palavra, o lado direito opera com o chamado pensamento imagético, cuja linguagem organiza-se através de imagens.

   Ao mesmo tempo, a provável eficácia da visualização já era defendida há várias décadas pelo criador da psicossíntese, o italiano Roberto Assagioli, ao enfatizar que o primeiro dos  12 princípios  que governam as forças psicológicas do homem  afirma o seguinte: As imagens ou idéias ou quadro mentais tendem a produzir as condições físicas e os atos exteriores que lhes correspondem.

Visualizando o estômago por dentro

O cardiologista e professor de medicina psicossomática Dirceu Calió Rolino, de Santos, SP, utiliza um tratamento integrado de seus pacientes. Combina os medicamentos, a alimentação, os exercícios físicos e a terapia grupal, incluindo o relaxamento e a prática da visualização criativa.

“Numa primeira fase, uso a visualização criativa como forma da pessoa buscar algo dentro dela”, explica o doutor Rolino.  Algo que facilite sua mudança interior para se recuperar. “Numa segunda fase”, continua Rolino, “a pessoa é orientada a se dirigir mentalmente para dentro do corpo dela.  Faz uma bela viagem, onde sente as áreas que precisam tratamento. No retorno  da visualização, a pessoa vai relatar as imagens que viu do seu próprio processo”.

Um dos casos mais impressionantes que Rolino se lembra é o do paciente de uma colega:

“Um garoto de sete anos internado com uma úlcera hemorrágica violenta”, conta. “Ele vomitava e evacuava sangue o tempo todo. E chorava de   dor o tempo todo. O quadro familiar era dramático.  O menino era criado pela avó e um dia  ela saiu para uma viagem curta.  O menino quis ir, a avó não deixou.  Na viagem ela morreu. Ele se perdeu nisso tudo, ficou absolutamente sozinho. Não sabia o que fazer. E aí todo o mundo dizia: “Não chore!  Você é  homem!  Homem não  chora!” E ele chorava e chorava e aí veio a úlcera”.

  “No hospital, o cirurgião queria operar, mas precisava que melhorasse o estado do menino. Aí entrou em ação a minha colega, que através de um processo gradativo, conseguiu ensinar o menino a visualizar e contar o que via no seu estômago .  Ele dizia: “o meu estômago está chorando”. E descrevia o que via, exatamente como na endoscopia, incluindo  a variação da cor  do estômago, à medida que melhorava.  Parou de chorar.  Teve alta do hospital”.

Como se explica o efeito das imagens sobre os órgãos?

Os médicos da medicina psicossomática – que estuda exatamente a interferência do estado psicológico do paciente sobre o corpo físico – dizem que somos capazes de mudar nossos padrões orgânicos através de mentalizações.  E alguns afirmam que  o instrumento mais eficaz é a meditação, porque há uma integração perfeita entre a mente, o sistema endócrino  e o sistema imunológico.

O doutor Francisco Di Biase, chefe do Departamento de Neurocirugia e Neurologia da Santa Casa de Barra do Piraí, RJ,  lembra que na década de 70 o cardiologista Herbert Benson, de Harvard, e o psicólogo Robert Wallace monitoraram a prática de

meditação em 36 pessoas. Mediram parâmetros fisiológicos como o consumo de oxigênio, o débito e a frequência cardíaca, os ritmos elétricos cerebrais e a concentração de ácido lático no sangue. “Comprovou-se”, diz Di Biase, “que durante a meditação ocorre redução de 16% a 18% do consumo de oxigênio, contra 8% encontrado no sono”.  Portanto, a meditação pode desencadear um relaxamento mais profundo do que o sono.  “Os parâmetros cardiovasculares caíram a níveis só encontrados em estados de relaxamento muito intensos”, prossegue Di Biase, “enquanto os eletroencefálogramas demonstraram uma sincronização das ondas cerebrais na faixa do ritmo alfa, seguida por sincronização na faixa teta, correspondendo a um padrão elétrico cerebral de repouso psiconsensorial profundo”.

Conforme Di Biase, estudos publicados nos últimos vinte e cinco anos em periódicos  médico-científicos de prestígio, como Science  e o New England Journal of Medicine, demonstram que a meditação é a técnica isolada “que mais proporciona benefícios ao ser humano, porque o relaxamento e o repouso psicosensorial profundo é a pré-condição básica para a atuação dos processos regenerativos autoreguladores e autoorganizadores. Esse processo permitem um melhor equilíbrio homeostático e a otimização de todos os sistemas orgânicos”.

“O organismo humano é constituído por uma rede dinâmica de comunicações inteligentes, operada por mais de sessenta neuropeptídeos, que são mensageiros químicos neuroe imunotransmissores sintetizados no cérebro, no sistema endócrino e no sistema imunológico”, explica Di Biase.  “Os pensamentos, as emoções, os desejos e os impulsos de inteligência desencadeiam a criação desses mensageiros químicos, que coordenam os processos fisiológicos em todo o sistema orgânico, por meio de ligações a receptores específicos”, complementa.

Neste caso, a idéia da totalidade da física quântica tem correspondência biológica. “Nosso corpo é uma vasta rede de comunicações em que cada célula experimenta toda a intensidade destes fluxos de inteligência e emoção gerados por todo o sistema”, coloca Di Biase.

É nessa interface então que se compreende, pelo menos num nível especulativo, o que pode ter a ver a física quântica com os processos bioquímicos do corpo.  “Recentemente, o pesquisador Stuart Hameroff, da Universidade do Arizona, passou a postular que os microtúbulos, no interior dos neurônios, são os substratos físicos capazes de criar os efeitos quânticos que permitem a emergência da consciência”, completa Di Biase.  “Estruturas microscópicas como os microtúbulos, ou mesmo as sinapses” – conexões entre os neurônios – “poderiam desencadear a formação das interações quânticas não-locais necessárias para a interação mente/matéria”.  Por isso, citando David Bohm, afirma que “a mente pode operar diretamente nas profundezas da ordem implícita, o vazio pleno de energia, criador da matéria, da consciência e das leis físicas”.

Abordagens apoiadas por esses conceitos funcionam na prática?

Na clínica que leva o seu nome, o médico de Barra do Piraí combina modernas tecnologias de ponta – como a tomografia computadorizada e o mapeamento cerebral computadorizado – com técnicas de meditação e visualização e terapias de relaxamento. Dentre essas últimas, inclui atividades  com o uso de técnicas de respiração, de música,  de massagens reflexógenas dos pés, da acupuntura, de  florais de Bach, de  fitoterapias chinesas,  da homeopatia e  do tai chi chuan. 

“Os resultados clínicos são muito superiores  aos obtidos com a utilização isolada da medicina ocidental”, diz Di Biase, “principalmente no tratamento de distúrbios psicossomáticos, como as ansiedades, a depressão, o  estress, o  uso de drogas, as doenças degenerativas,  as alergias, o  câncer e a epilepsia. Temos casos de   pacientes psicóticos, impregnados por tratamentos anteriores com psicotrópicos, que com o uso de terapias de relaxamento corretas, acupuntura e antioxidantes, retornaram à vida normal”, completa.

Autor de dois livros sobre o tema – O Homem Holístico, Editora Vozes e Natureza, Auto-Organização e Vida, que deverá ser publicado este ano -, Di Biase realiza pesquisas nesse campo há 15 anos, dentro de uma situação tipicamente brasileira.  Enquanto no exterior a questão mente/matéria é pesquisada por instituições de porte, no Brasil, ao que se sabe, as poucas iniciativas devem-se a esforços puramente pessoais e isolados, principalmente de médicos e psicólogos, quase sempre trabalhando em bases unicamente empíricas. Nesse campo, continuamos à reboque da ciência de ponta no exterior, embora na vivência prática já contamos com experiências extraordinárias.  Como no esporte, com o magnífico exemplo de Ayrton Senna. 

Atletas mentais

Nos esportes de alta competição, o novo diferencial dos vencedores não é o domínio técnico de sua modalidade, mas o uso ampliado de sua mente. Desde os Jogos Olímpicos da década de 1970, há indícios de que atletas da antiga União Soviética praticavam algum tipo de técnica avançada  que amplificava a concentração mental e reforçava a  atitude para vencer. Nos Estados Unidos, a novidade foi incorporada de vez durante as Olimpíadas de Los Angeles, em l992, quando a equipe olímpica norte-americana contou com o trabalho do psicólogo do esporte Shane Murphy.

No Brasil, a excelência do uso dessas técnicas coube a Ayrton Senna, inspirado pelo preparador Nuno Cobra, um pioneiro no país do trabalho integrado corpo-mente com atletas.  O livro Ayrton Senna – Herói de um Novo Tempo, volume 1   (edição do sistema Clube de Autores – www.clubedeautores.com.br), 2009,  do autor desta reportagem,  trata dessa questão.

Os atletas aprendem  a mudar suas ondas cerebrais, alcançando a atividade mental que melhor lhes convém em situações de disputa. Pesquisas da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, demonstraram que, nessas situações, o cérebro tende a relaxar suas funções analíticas – normalmente identificada com o hemisfério esquerdo, na maioria das pessoas – e liberar as funções de relações espaciais e de reconhecimento de padrões – mais identificadas com o hemisfério direito.

Também no esporte, uma das técnicas mais populares é a da visualização criativa.  Os estudos demonstraram que  até três segundos antes de uma ação no mundo físico real, o cérebro como que antecipa e “sabe” o que vai ocorrer.  Com isso, prepara a massa de nervos, hormônios, glândulas e músculos para a resposta adequada. Mostraram também que parte do cérebro não sabe muito bem o que é fantasia e o que é realidade. Portanto, se esta parte for ativada com a visualização criativa, o corpo se prepara também igualmente para a resposta adequada.

Pesquisas da Universidade do Texas, em San Antonio,  revelaram que o movimento físico do corpo compreendia, em corelação, áreas específicas do cérebro. Mostraram também que o ato de imaginar esses mesmos movimentos ativavam as mesmíssimas áreas cerebrais. Descobriram, assim, que o ensaio mental tem a mesma validade do ensaio físico. Através da imaginação criativa,o atleta pode ensair mentalmente não só movimentos físicos, mas toda uma estratégia para uma competição.  Coisa que  Ayrton Senna fazia à excelência, preparando-se mentalmente tanto para as corridas quanto para as tomadas de tempo nos treinos, utilizando a visualização criativa. Não era por acaso que dava um show nos treinos de classificação, deixando para os últimos minutos sua tomada de tempo.  Saía então como um foguete, realizando proezas incríveis, conquistando quase sempre a pole position e não dando chance alguma aos outros competidores.

O contexto disso tudo tem a ver com a questão da consciência ampliada.  A bióloga Lynn Margulis  – que junto com James Lovelock elabrou a Teoria Gaia, sugerindo ser o planeta Terra um corpo vivo – fala da consciência das células.  Físicos falam da consciência das partículas subatômicas.

Que desafios então tudo isso traz para a ciência?

A bióloga greco-americana Elisabet Sahtouris, que também esteve no Brasil para o “Imaginária 95”, aponta um rumo:

“A ciência andou limitada por quatro dimensões.  Mas agora vemos que o universo pode ser multidimensional e que a consciência talvez precede a matéria.  A possibilidade da interação entre a mente do homem, o mundo físico e a Ordem Implícita  cria vários hologramas que são entidades não físicas. Talvez nós sejamos hologramas de outras entidades – físicas ou não -, de outros universos, que talvez possam ser organizadas em outras hierarquias.  Por isso, só agora começamos a compreender esse mundo além das quatro dimensões.  A única e grande questão da ciência que verdadeiramente  vale a pena, então, a partir de agora,   é apenas essa: como a consciência  e a matéria  interagem para criar essa mente multidimensional na qual vivemos.” 

Nota do autor em outubro de 2012.  Este é o texto original de uma reportagem que escrevi em 1995, acrescido de uma atualização relativa a um livro meu sobre Ayrton Senna que na época tivera uma primeira versão.  Como se vê, o conteúdo desta matéria é absolutamente atual, sintetizando avanços e desafios da ciência na compreensão da mente.  Contribui, vários anos depois de escrito, para assinalarmos, como crônica história, a evolução do pensamento de ponta contemporâneo sobre esse assunto.

 

Publicado  originalmente em www. editorapeiropolis.com.br

Related Articles

Responses

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *