Nas Margens
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Auris Sousa
Se o governo não faz, o povo faz
São quase 18h, o céu já começa a escurecer. Agnes chega à concentração para o ato. Com um sorriso no rosto, mochila nas costas, ela anda para todos os lados da praça, fala com as pessoas. Bem no centro, um rapaz negro estende uma faixa vermelha, que leva o rosto de Carlos Marighella, seu nome, o logo do MTST, e a frase “Não temos tempo para ter medo”. Agnes grita: “MTST”. Os demais completam: “a luta é pra valer” e rodeiam a jovem coordenadora. Um pouco rouca e sem microfone, ela propõe que todos repitam os seus dizeres. De forma sincronizada, o seu pedido é atendido e o recado é passado: “Hoje a ocupação Carlos Marighella. Hoje a ocupação Carlos Marighella. Vai sair em ato da Praça Central e vai até a Câmara. Vai sair em ato da Praça Central e vai até a Câmara”.
Numa espécie de eco, provocado pelas repetições, o comunicado segue: “Porque queremos que a nossa moradia saia já. Não podemos esperar que o poder púbico faça as coisas no tempo dele. Nós sabemos que já tem gente nossa que foi direto na Câmara, sem isso ser combinado. Luta tem que ser unida, uma voz só, um formigueiro, porque nós temos que ser coerentes. Pé na luta!”, finaliza Agnes com o punho direito estendido para cima.
Agnes se posiciona em frente à faixa vermelha, que é segurada por homens e mulheres, e guia cerca de 300 pessoas até a Câmara. No caminho, a multidão para o trânsito e canta: “pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro”. As buzinas de carros, motos e ônibus também se juntam a cantoria.
Livre, a pequena multidão ocupa as principais ruas da cidade. O ato reivindica que a prefeitura aprove uma emenda ao Plano Diretor de Carapicuíba que contenha a demanda da ocupação no projeto de moradia.
Os militantes chegam à Câmara. As portas já estão fechadas. O guarda avisa que os vereados já foram embora. Assustado, o vereador “Vera Verão”, um homem alto, negro, de cabelos crespos até os ombros, vê a multidão, abraça uma pasta preta contra o peito e sai de fininho. A imagem não chama a atenção dos manifestantes, que estão frustrados com o desencontro. Agnes está com o rosto colado na porta de vidro, tenta enxergar algo. Fala ao celular, coloca o aparelho no bolso.
– Geeente, o Abraão [Júnior, presidente da Câmara] disse que podemos fazer o que quisermos que ele não vai vim nos receber. Agora vamos colocar em votação o que devemos fazer.
A maioria decide voltar num outro dia, sem data determinada. “Nós vamos voltar. Se os vereadores não receberem a gente de novo, nós vamos parar Carapicuíba. Mas nãão vai ser só a gente nããão, o MSTS em peso estará aqui”, berra Agnes.
Continua.
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