“ELVIS” E O STORYTELLING DO EU PERDIDO … EM MIM E VOCÊ
Edvaldo Pereira Lima
Saí da sessão de “Elvis”, essa história de Elvis Presley estrelada por Austin Butler e Tom Hanks, ora em cartaz, imerso em pensamentos focados no efeito do storytelling biográfico sobre nós. Sobre todos nós, sobre cada um de nós.
Especialmente no caso de narrativas centradas em celebridades que são ícones dessa magnitude de Elvis na cultura pop, sua função mítica se destaca de um modo tão poderoso que o filme me lançou numa busca. Decifrar que mensagem arquetípica essa estória – a narrativa cinematográfica – e a história – a vida real correspondente, contada nos depoimentos, testemunhos e episódios que explodiram no mundo digital, ancorados no lançamento do filme – que ela representa trazem, de inspiração iluminadora, para os desafios das vidas de todo o mundo.
Juntei o storytelling da tela de cinema ao storytelling jornalístico e histórico em circulação para extrair dos dois enredos combinados um significado temático de valor universal. Acrescentei a Jornada do Herói, pelo ângulo do que representa em termos do desenvolvimento humano e da caminhada à individuação, como aponta Jung. Inseri o conceito de evolução consciente – como nos trouxeram o filósofo, paleontólogo e jesuíta Teilhard de Chardin e a futurista Barbara Marx Hubbard – e então direcionei minha garimpagem, de intuição aberta, para o ouro que minha consciência pudesse revelar.
Esse storytelling multifacetado ancorado em Elvis Presley é de uma importância gigante indiscutível como resgate da memória cultural contemporânea, para além do rock and roll e da música pop.
A minha perspectiva, porém, navega pelo plano transcendente e imanente da história sutil, invisível, psicológica, arquetípica, inerente a cada um de nós, associada à história coletiva da espécie. O tema universal de fundo é mesmo o da expansão da consciência, entendida como o aperfeiçoamento qualitativo do nosso discernimento sobre as questões perenes “quem sou eu”, “quem somos nós”, “qual o propósito da vida” e da nossa capacidade de agirmos no mundo, entendendo-o como essa realidade multidimensional complexa de que falam a nova ciência, assim como as fronteiras de vanguarda transdisciplinar do conhecimento.
Elvis jovem é um ser que encarna a promessa do desenvolvimento do potencial masculino saudável. É um rapaz de rara beleza, alegre, bem-humorado, espirituoso, corajoso, criativo, movido instintivamente por sua força interior autêntica. Espontânea e naturalmente mostra-se indiferente ao racismo opressor de sua época, dando-se o prazer de curtir a música afro-americana das comunidades segregadas sulistas, de aprender com ela e de mesclá-la ao seu estilo diferenciado. Convive com artistas pretos virtuosos, torna-se amigo de B.B. King. Ajuda essa música sair dos espaços confinados, alcançar o grande território do vasto mercado do show business americano.
Indiferente à crítica dos rapazes brancos que zombam de seus cabelos “longos” e do topete, insinuando maldosamente uma sua hipotética efeminização, atua no palco simbolizando, com seus requebros e remelexos, o prazer sensual e sexual masculino que, rebelde, rompe o conservadorismo torpe da sociedade ainda vitoriana, assim como o freio castrador das religiões. As meninas respondem instintivamente ao desejo e ao movimento saudável da troca energética psíquica, emocional e física com o sexo oposto que a performance de Elvis no palco representa. Os garotos, muitos com inveja, outros tantos com reconhecimento, veem em Elvis um exemplo libertador, modelo masculino alegre, sensual, amante jovialmente romântico que eles no inconsciente, ao menos, almejam ser. Elvis é um raio de luz iluminador de caminhos para elas e eles. Passa a ser admirado, idolatrado, adorado por todas e todos.
Ao mesmo tempo, nessa fase da juventude, Elvis acaba encarnando uma possibilidade masculina de harmonia dinâmica interna entre as forças psíquicas propriamente masculinas e as femininas. A questão do animus e da anima, de Jung. Essa harmonia é o que lhe dá um coração meigo, uma simpatia radiante na interação com os outros, sentimentos de compaixão e amor, além da incorporação de um olhar estético sobre a vida, uma propensão para o cultivo do belo e do bom.
Sua relação muito estreita com a mãe é sinal disso. Assim como sua propensão original a se vestir de modo colorido, esfuziante.
Mas na Jornada do Herói, associada à evolução da consciência, ambos conceitos relacionados ao movimento dinâmico de crescimento qualitativo de todo ser humano na vida, está implícito o desafio do propósito universal de aprendermos quem somos nós, de fato. De conferirmos que a primeira imagem de autoidentidade que construímos está associada à instância psíquica do eu, e que essa instância tem a sua porção de luzes, mas também a de sombras. De percebermos que essa imagem é de alcance limitado. De sabermos que precisamos crescer, ao longo da vida, para mudarmos o eixo da autoidentidade para o Eu, essa outra instância psíquica de maior alcance e complexidade que Jung chamou de Self e que em outras linhas de sabedoria pode ser denominada metaforicamente como o Cristo ou o Buda internos.
Elvis caiu na armadilha que atravessa o caminho de muitas celebridades de fama estratosférica. Passou a se identificar com o personagem em que se tornou, Elvis, a Pélvis, astro mundial de primeira grandeza do show business, Rei do Rock. Mas isso era apenas o seu eu menor, no qual ficou preso, ofuscado pelo brilho solar do seu enorme talento.
Foi cercado e fechado num box de vida reclusa por seus amigos e companheiros adolescentes de origem, os integrantes da Máfia de Mênfis que, tal qual na lenda do rei nu, agiam como os súditos que lhe impediam ver seu estado de fato. Uma bolha de ilusão. A essa bolha mais íntima se associou a bolha circundante criada pelo seu polêmico empresário Coronel Parker, genial mas diabólico personagem, vampiro psíquico que suga, manipula e conduz à exaustão destrutiva o que de belo, alegre, jovial Elvis representava.
Ele, Parker, encarnação do ser masculino rústico que não tempera a força e a capacidade de se projetar no mundo com a sua fonte interna feminina, digamos, da suavidade e dos sentimentos. Torna-se, arquetipicamente falando, um mentor das trevas e de alguma forma o pai que cai na polaridade negativa da função simbólica que exerce, uma espécie de Darth Vader de Elvis. Ele, Parker, igualmente preso à força aniquiladora do seu pequeno eu que o conduz a um fim de vida endividado e marginalizado, no ostracismo, doente, viciado no jogo, mergulhado no glamour ilusório dos cassinos de Las Vegas.
Triste é saber que alguém – Larry Geller, seu cabelereiro, conhecedor de filosofias e tradições orientais – buscou oferecer um caminho para Elvis sair dessa bolha, quando o astro confidencialmente lhe revelou inquietações espirituais. Infelizmente, Elvis não respondeu na devida dose de vontade a esse chamado para buscar um seu outro propósito de vida, o universal, que pulsa em paralelo à face externa das nossas vidas, pedindo que o integremos, como parte do nosso processo de crescimento para o potencial mais pleno que a existência nos oferece.
A não resposta a esse chamado – o mais profundo dos Chamados À Aventura que a Jornada das nossas vidas nos brinda – de transformação dos lados sombrios do nosso eu e de ascensão da nossa consciência para o nível do Eu, pode conduzir à autodestruição progressiva. Que é o caminho pelo qual se envereda Elvis, o ser humano, enredado nas amarras de Elvis, a Pélvis. O tema triste de uma leitura que se pode fazer de uma dimensão de sua vida, como um alerta para todos e cada um de nós. O tema do Eu Perdido.
Para isso serve, em instância plena, o storytelling de qualidade. A essa função serve o storytelling biográfico de celebridades e anônimos. Os biografados são espelhos arquetípicos da jornada de cada um e todos nós.
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