Série – O MÚLTIPLO SALTO DO STORYTELLING – I
Profissionais atentos do marekting e da publicidade advogam, crescentemente, a prática do storytelling como o modo de comunicação mais eficaz para os tempos de hoje. Para que sua mensagem se destaque no tsunami de informação e apelos a que o público é submetido diariamente por todos os meios, e se o objetivo é conquistar e engajar o receptor, o storytelling é a bola da vez.
Em lugar de um discurso direto de vendas para seus produtos, a Red Bull conta histórias de gente que desafia superar limites em práticas esportivas radicais. Em vez de expor a comodidade das instalações de uma sua casa de hóspedes no Marrocos, a Airbnb conta a história de uma sua anfitriã que oferece aos visitantes uma rica experiência culinária doméstica de sabor árabe.
Sabe-se que o storytelling, tal como batizado no marketing, tem raiz na atemporal e boa arte de contar histórias que em essência é o segredo tanto das narrativas míticas dos tempos em que os deuses e os homens confabulavam à luz do dia – e nas sombras do inconsciente coletivo –, quanto das moderníssimas séries dos serviços de streaming tipo Netflix ou HBO Max.
O que não se conhece muito bem é que essa arte tem sua própria versão igualmente eficaz em áreas menos familiares para o grande público – como no jornalismo literário – e aplicabilidade potencial em setores de finalidade distinta do que o marketing. Na comunicação interna das organizações, por exemplo. Na educação. Nas narrativas biográficas. No resgate histórico empresarial. Na saúde. Em todo processo de comunicação, enfim, em que o objetivo é entregar, mais do que meramente informação, conteúdo compreensivo, contextualizado, impactante. E no qual o ser humano seja, de fato, sujeito e agente da mensagem. Comunicação centrada em pessoa, de verdade.
Tanto no campo do marketing, quanto fora dele, o complexo cenário atual do mundo, globalizado em suas múltiplas crises entrelaçadas sem precedentes, gerando um estado de calamidade psicológica coletiva de incertezas e confusão, gera um desafio gigantesco ao comunicador que pratica ou deseja utilizar o storytelling.
Acontece que nossa civilização contemporânea está em xeque com relação aos alicerces fundantes do mundo que construímos. E dos princípios, valores e filtros que forjaram tudo o que entendemos que somos e fazemos, tudo o que consideramos como sendo a realidade das coisas, tudo que tomamos como propósito das nossas ações e das nossas vidas. Vale a pena nossa sociedade de consumo monstruoso que emporcalha a ponto de não retorno os oceanos, exorbita as desigualdades sociais, ameaça o futuro da própria existência humana?
O comunicador consciencioso, nesse tsunami de questionamentos muito justos e pressões de todos os lados que impactam o exercício de seu ofício, vê-se diante da necessidade premente de rever o propósito da sua arte, o que entrega à sociedade e o que fazer frente à urgente transformação que o mundo é impelido a empreender, se queremos, de fato, dias melhores.
O primeiro passo para o comunicador que sente inquietação profunda nesse quadro tempestuoso, e deseja utilizar o storytelling para propósitos nobres que a comunicação pode assumir nessa história épica em curso da transformação humana, sugiro, é examinar sem julgamento condenatório, mas lucidez crítica, o efeito da comunicação que praticamos sobre a consciência dos indivíduos. Estamos usando nosso talento para gerar necessidades artificiais de consumo que favorecem nosso cliente, mas prejudicam tudo o resto, ou criamos mensagens que abrem uma luz de compreensão para o receptor praticar um consumo consciente? Favorecemos o governante fascista que manipula e distorce discursos para atender seus interesses escusos ou apontamos caminhos para o público escapar das fake news, encontrar histórias que descortinam o véu dos simulacros de realidade que querem nos impor e nos apontam um outro horizonte, de um nível mais elevado e consistente de percepção e significado?
Felizmente, para os comunicadores que buscam uma resolução para sua angústia de alma face ao papel que podem desempenhar nesta hora de tumulto civilizatório sem paralelo na história, novos instrumentos e direcionamentos do exercício do storytelling estão surgindo, iniciativas indiretamente relacionadas trazem alento, avanços transdisciplinares – na ciência de vanguarda e fora dela – do conhecimento iluminam nossos passos para o que podemos fazer.
O primeiro passo, porém, insisto, é essa reflexão sistêmica, abrangente, sobre o que estamos fazendo no mundo com nosso talento. O passo seguinte é acrescentar, ao nosso know how de comunicadores, domínio qualificado sobre a prática do storytelling. Que é de fato o modelo mais eficaz de comunicação se desejamos contribuir para, mais do que simplesmente impactar, colaborar com a ampliação do nível de compreensão das pessoas, sobre elas próprias e o mundo.
A decisão do propósito com que você quer exercer sua arte é uma questão do seu livre arbítrio, exclusivamente. A responsabilidade é sua. Ninguém tem o direito de julgá-lo. Mas ninguém pode mais transitar pela comunicação sem consciência dos estragos sombrios ou das luzes transformadoras que pode trazer ao mundo.
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