CINEMA, NARRATIVA E VALORES NO MUNDO EM CAOS
A explosão violenta dos protestos nos Estados Unidos por um novo e lamentável episódio de racismo – como se não bastasse a tragédia sem precedentes da pandemia -, provoca um choque a mais, para nossa reflexão, sobre o estado do mundo.
A violência americana tem razões históricas próprias, localizadas. Mas é apenas uma das faces de um processo maior em que os temas subjacentes do racismo, e outros, eclodem por razões distintas em diferentes lugares do planeta – como no Brasil -, expondo, contudo, um elo comum universal.
Diante de um cenário complexo como este, somos pressionados, mais do que a nos informar e a nos atualizar, a refletirmos sobre o sentido dos acontecimentos. Temos de fazer isso, por uma questão primária de sobrevivência e posicionamento diante da nossa sociedade que nos revela brutalmente o caráter agressivamente disruptivo de nosso tempo. Entra em cena para nos auxiliar, nessa demanda, a comunicação.
Vital para a existência, a comunicação como processo que integra fatos e sentidos, ocorrências e símbolos, tem suas variações e linhas distintas de atuação, assim como modelos específicos que conformam seu papel no mundo. Esses modelos são fruto de um desenvolvimento epistemológico inerente a uma época e lugar, pois baseamos nossa perspectiva de realidade em alicerces do conhecimento endossados pela nossa cultura, os chamados paradigmas.
O contexto dessas crises múltiplas que vivemos no momento, em todo o mundo, aponta para o fenômeno da deterioração acelerada dos paradigmas principais que sustentam a civilização contemporânea. Nesse processo, percebe-se que os princípios norteadores da sociedade, consolidados desde o século XIX – a competição, a exploração da Natureza a qualquer custo, a globalização econômica -, são visões de mundo que estão no centro do poder político, econômico, cultural, mas não são os únicos. Há uma tensão crescente, um embate entre essa visão de mundo unilateral, separatista, fragmentária, com seus efeitos nocivos – a desigualdade social, os desastres ecológicos provocados pelo homem, o imediatismo ineficaz das ações públicas e privadas – e novos paradigmas emergentes. Esses apontam para outros princípios, como a interconectividade entre todos e tudo neste planeta, a cooperação, a fraternidade, a compaixão.
O que denomino Comunicação Construtiva é o conceito e prática do ato de comunicação em sintonia intuitiva e espontânea – ou estruturada conceitualmente – com vários desses novos paradigmas que estão revolucionando nossa maneira de entender o mundo e nele viver.
Essa Comunicação Construtiva nos oferece uma condição essencial para navegarmos por este tempo caótico. Oferece a dádiva de vermos na crise a oportunidade. Oferece a elevação da nossa capacidade de pensarmos e sentirmos fora da caixa. Oferece uma via de esperança para compreendermos e ressignificarmos a realidade sob novas, ampliadas perspectivas. Oferece um impulso considerável à nossa criatividade. Nos empodera para reinventarmos a nós próprios, contribuindo paralelamente para a cocriação da nova sociedade que tão desesperadamente precisamos. Oferece um portal para a nossa jornada de expansão de consciência.
Por que transporta tal poder intrínseco?
A Comunicação Construtiva centrada na arte da narrativa – esse campo milenar de conhecimento e prática, agora batizado numa de suas versões pelo nome de storytelling -, trabalha tecendo suas histórias em níveis integrados simultâneos. Especialmente as histórias da vida real – ou nela baseadas – de boa qualidade narrativa apresentam seu conteúdo focalizado em dois conjuntos específicos.
No primeiro, o enredo, temos os fatos, os personagens, o desenrolar do drama narrativo particular de certas pessoas identificadas, num certo local e tempo. No segundo, o tema, temos a condição universal subjacente a que o enredo remete. O caso dos protestos americanos tem sua realidade concreta, factual, mas o tema subjetivo associado, do racismo, relaciona-o a essa questão duradoura em todo o mundo. E daí o portal de busca de significados se abre para a dimensão psíquica, psicológico, emocional – de indivíduos e da coletividade – atrelada a um acontecimento factual, assim como para sua dimensão arquetípica, simbólica, espiritual que diz respeito à condição humana universal. Diz respeito a sociedades distintas, à civilização como um todo.
Um dos níveis de busca de sentido que a boa narrativa transporta é a de valores. Por trás dos fatos e das narrativas frias, centradas em dados, números, numa visão burocrática da realidade, ocultam-se valores, ou a falta de. Valores universais, que transcendem os limites de sociedades específicas, habitando o coração profundo do nosso sentimento, da nossa consciência como membros de uma mesma espécie. Valores humanos de verdade, como o respeito à vida, a compaixão.
O choque provocado na alma dos mais sensíveis pela grande narrativa épica que estamos vivendo, a narrativa em processo da pandemia, nos faz lembrar de valores e de como os estamos hospedando ou não em nosso ser. Nos faz mergulhar no nosso porão de sombras e dali sairmos transformados, se quisermos, com novo comportamento que nos permite contribuir para o bem comum. Isso é ampliação de consciência, no nível possível para o alcance de cada indivíduo no seu momento de vida.
Nesse cenário, a Comunicação Criativa tem aparecido, às vezes, na forma de comunicação a mais popular – senão a mais fascinante, talvez – da nossa era, o cinema.
Gregg Braden, notável arauto deste novo tempo, na sua qualidade integrada de geólogo, expert em computação, consultor de pensamento estratégico para grandes organizações, um dos líderes do diálogo em ascensão espiritualidade-ciência, diz em seu novo livro Wisdom Codes:
“Se pensamos nas nossas criações como a expressão de ideias que vivem em nosso interior, então nossa arte, o filme, a música, a escrita tomam um novo sentido de algo muito maior do que o simples entretenimento. Tal relacionamento entre o nosso mundo interno e o externo nos leva a vermos nossas inspirações como a consciência se auto informando, recordando-nos de nossas possibilidades e potencial inexplorado”.
Endosso. Entendo assim essa função nobre da Comunicação Criativa e nela, o caso particular do cinema produzido com essa consciência. Mais do que diversão simples, o cinema – e toda narrativa ficcional ou não centrada em pessoas, nos distintos meios – pode ser uma porta para a fundamental imersão do indivíduo em si mesmo, nesse desafio de auto-reinvenção e preparo para a longa jornada transformadora que esta civilização em caos precisa empreender.
P.S. Se deseja entrar mais fundo nisso e na sua história de vida por esse caminho, venha aos meus dois próximos webinars, agora em junho. A jornada é inspiradora.
https://blog.edvaldopereiralima.com.br/comunicacao-construtiva-para-uma-sociedade-consciente/
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02/06/2020
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