A vida que me criou assim 4

lAILA 6 virginia bastos de mattos

‘A vida que me criou assim’

4

Laila Braghero Vicente

 

Doce de abóbora

lAILA 6 virginia bastos de mattosA comida começou a ser degustada após um brinde à saúde e ao jornalismo. Na pauta da refeição, filmes, ciclovias e ciclofaixas, transporte público, bons lugares para apreciar rodízios de pizza, Jedi’s Burger (nova lanchonete temática inspirada no Star Wars), São Paulo. Todos os que estavam na casa naquele dia moram na capital. E, como eles mesmos disseram, se veem mais em Capivari do que por lá. Virginia seguia silenciosa.

Falavam sobre o Templo de Salomão, Eduardo Cunha e os falsos profetas quando a voz suave e meio rouca da senhora rompeu o tilintar dos talheres. Olhando a tigela com doce de abóbora na mesa, feito por ela com a ajuda de Otavio, começou a contar sobre quando passava pela casa de umas amigas com a irmã, depois da escola, e eram convidadas a entrar.

“Era perto de casa. Elas diziam: ‘vem comer doce de abóbora. Vamos entrar pra gente conversar mais um pouco’. Um dia, minha irmã e eu aceitamos e fomos. E tinha doce de abóbora, mas era ruim. A primeira vez nós já achamos. A segunda foi ainda pior. Não passamos mais lá até acabar esse doce. Elas eram amáveis, mas não sabiam fazer”, finaliza, em meio às risadas.

Após o almoço, eu guardava minhas coisas para ir embora quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, o filho de Virginia, Antonio Carlos, 64, pede para falar comigo. A conversa foi breve, mas muito rica. Em poucos minutos, o paulistano, que voltou a morar em São Paulo depois de adulto, resumiu coisas que “tinha certeza que mamãe não ia se lembrar de falar”.

Virginia, que segundo Antonio Carlos é prima da rainha Sílvia da Suécia, levou a vizinha Inezita Barroso à escola durante anos. A cantora sertaneja, que morreu em março deste ano, era dez anos mais nova que a amiga. Também foi colega do ex-governador de São Paulo, Franco Montoro, e de sua esposa Lucy.

Em outubro, mês que a escritora completa seu centenário, disse que os irmãos abrirão a casa cor-de-rosa para o público que quiser cumprimentá-la. A família também planeja repetir uma exposição realizada em 2000, com todos os objetos antigos da matriarca. Depois, haverá ainda uma festa particular em São Paulo, fechando as comemorações.

Desligo o telefone, coloco a mochila nas costas e me dirijo à porta.

– Aparece, viu?

– Você mora onde mesmo? Em Rafard? Não? – pergunta pela terceira vez naquele dia e quinta ao todo.

– Em Capivari. Perto da escola Carreta, no Engenho Velho.

– Ah, sim. No Engenho Velho.

– E você é? Seu nome?

– Laila.

– Laia?

– Laila.

– Laila?

– Isso.

– Você vai a pé?

– Vou. Quero aproveitar para andar um pouco.

– Tchau. Até mais. – continuo.

– Vai com Deus e aparece o dia que você quiser.

– Desculpa incomodar a senhora, viu?

– Não incomoda. A hora que eu não puder eu digo: agora não.

Matéria produzida originalmente como trabalho acadêmico para o Curso de Pós-Graduação em Jornalismo Literário, epl.

Editora-assistente para esta versão publicada no site www.edvaldopereiralima.com.br:  Cris Ghattas II

Fotos: Laila Braghero

Continua.

A vida que me criou assim – Laila Braghero Vicente – Capítulo 1
A vida que me criou assim – Laila Braghero Vicente – Capítulo 2
A vida que me criou assim – Laila Braghero Vicente – Capítulo 3
A vida que me criou assim – Laila Braghero Vicente – Capítulo 4

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