Infância e adolescência entre muros 2

Infância e adolescência entre muros

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Nathalia Maciel Corsi

Da assistência coletiva ao olhar individualizado

Conhecidas as barreiras da adoção, a preocupação se volta para a assistência e formação que os jovens recebem nas instituições de acolhimento. A juíza Camila Gutzlaff, da 1ª Vara da Infância e Juventude de Londrina, destaca que a estrutura oferecida pelos abrigos e pelo Município não é suficiente, por isso, aposta nos apadrinhamentos das mais diversas ordens (afetivo, financeiro, educacional e empresarial) como forma de melhorar a qualidade de vida dos que residem nesses lugares. “Estamos buscando parceiros que possam ajudar com uma aula de inglês, uma natação ou um curso profissionalizante”, exemplifica.

Apesar da declarada missão de preparar para a vida adulta, a falta de um acompanhamento efetivo nos abrigos permite que adolescentes se envolvam com drogas, faltem às aulas, reprovem na escola, deixem de participar dos projetos em que estão inseridos e regridam quando estão próximos da maioridade por medo de enfrentar o mundo sozinhos. Sobre o apoio pós-abrigamento, a magistrada afirma que está mais difícil conseguir casas para os jovens, porque a maioria dos programas habitacionais está suspensa devido à recessão econômica do país. “O ideal seria que o Município e o Estado dessem condições para que eles saíssem dos abrigos com casa e emprego”, opina Camila. Atingindo a maioridade, acabam tendo que recorrer a parentes, que falharam no seu auxílio em etapas anteriores, ou a irmãos mais velhos que passaram pela mesma situação e encontram-se relativamente estruturados, tendo sido beneficiados por algum programa governamental. Alguns vão para o abrigo adulto.

Uma alternativa para amenizar os problemas em questão é ampliar e unificar o Programa de Acolhimento Familiar na cidade, priorizando a participação das crianças mais velhas e adolescentes afastados da família de origem por meio de medida protetiva. As famílias acolhedoras receberiam em sua casa apenas um deles e contariam com a ajuda de custo de um salário mínimo por mês. Para isso, é necessário que a Prefeitura assuma a gestão financeira e técnica do programa. As famílias integrantes devem ser selecionadas, preparadas e acompanhadas durante o acolhimento por uma equipe especializada interprofissional. Além da bolsa-auxílio, outros incentivos podem ser oferecidos, como a isenção de taxas fiscais.

A referência nacional de acolhimento familiar é a comarca de Cascavel, que aos poucos foi substituindo os abrigos até extingui-los. O juiz Sergio Luiz Kreuz, responsável pelo programa mantido com recursos municipais desde 2006, considera que as instituições tradicionais subtraem da criança o direito à individualidade e dificultam a formação de vínculos. Como qualquer forma de acolhimento, as famílias acolhedoras têm natureza provisória e excepcional, mas diferenciam-se por configurarem uma opção mais humanizada. O principal objetivo é possibilitar que seja construída uma boa referência familiar para o adolescente e que ele tenha sua singularidade respeitada. “Muitas crianças e adolescentes acolhidos não têm condições de voltar para casa e não se encontra adotantes para eles; nessas circunstâncias, não vão crescer dentro de um abrigo, mas dentro de uma família disposta a cuidar deles”, analisa Kreuz. Em Cascavel, alguns jovens estão há mais de sete anos em famílias acolhedoras, realidade bem distante da maioria das cidades brasileiras. O ECA determina que esse tipo de acolhimento seja preferencial, mas o número de menores acolhidos nessa modalidade não chega a 2% do total de abrigados no Brasil.

As famílias acolhedoras não se comprometem a assumir as crianças e adolescentes como filhos. O acolhimento é feito por meio de um termo de guarda provisória, uma proposta inteiramente distinta da adoção. Questionado sobre o impacto de um novo rompimento de laços, o juiz pondera que “quebrar vínculos é algo sempre difícil, mas chegamos à conclusão de que o pior para uma criança é não criar vínculos”.

*Os nomes das crianças e adolescentes abrigados foram substituídos nesta reportagem para proteger sua identidade.

Continua.

Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 1
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 2
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 3
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 4
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 5
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 6
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Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 8
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 9

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