Infância e adolescência entre muros 3

Infância e adolescência entre muros

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Nathalia Maciel Corsi

O destino dos bebês sem nome

No saguão, há longos bancos de madeira, típicos bancos de praça, só que indiscutivelmente melhor conservados. Os bancos da esquerda estão dispostos quase de frente para os da direita, deixando um corredor ao centro, por onde passam as pessoas que chegam e precisam dirigir-se ao balcão de atendimento. As pessoas não chegam sós. Expectativas, ansiedades e idealizações são debruçadas sobre o guichê de uma maternidade pública paranaense.

Em uma sexta-feira, às nove e trinta da manhã, a movimentação é pequena. Acomodadas nos bancos, três famílias aguardam. De frente uma para a outra, duas mulheres amparam seus bebês no colo. A da esquerda está acompanhada por duas crianças que parecem ter seis e oito anos. A da direita, ao lado do marido, ajeita o laçarote pink que enfeita uma frágil cabecinha, única parte para fora do embrulho feito com manta de algodão. Não deve demorar muito para que o outro casal que ali aguarda possa também ter o filho nos braços. A enorme barriga arredondada da moça torna visível a fase final da gravidez.

Ao lado do balcão há uma grande porta que abre em duas partes e leva até um corredor interno. Não é possível entrar sem ser anunciado. Com poucos passos andados pelo corredor, chega-se a uma sala. É a unidade de recém-nascidos, onde Tamires recebe o leite e o afago da mãe. Terminada a mamada, volta para a incubadora, tranquila, sem qualquer choro. O irmãozinho gêmeo Tales, que foi alimentado antes, dorme na incubadora ao lado.

Na semana anterior, na mesma ala, na mesma incubadora talvez, havia um bebê sem nome. O leite que o alimentou era dado pelas enfermeiras em um copinho descartável e vinha do banco de leite materno. Após dar à luz, a genitora sequer quis ver a criança. Desde o início da gestação, nutriu rejeição pelo filho. Separada do marido, ela teve uma relação casual quando engravidou. O ex-marido disse que a aceitaria de volta, sem o bebê. Decidida a não exercer a maternidade, ela deixou clara a sua intenção aos profissionais do hospital, que comunicaram ao Fórum.

É para orientar sobre a conduta correta a ser seguida em casos como esse que foi lançado recentemente em Londrina o Projeto Entrega Legal, conduzido pelo Núcleo de Apoio Especializado à Criança e ao Adolescente (NAE). No Paraná, existem iniciativas similares em Cascavel, Foz do Iguaçu, Chopinzinho e Maringá, sempre com o objetivo de esclarecer aos profissionais da saúde, da assistência social, representantes religiosos, líderes comunitários e ao público em geral que a entrega de um bebê à adoção, diferentemente do abandono, não caracteriza um ato irresponsável e criminoso. O projeto pretende acompanhar gestantes que por alguma razão manifestam a ideia de doar o filho, para que elas possam tomar uma decisão definitiva de forma segura e consciente. Procurando o Fórum de sua cidade, elas serão escutadas e orientadas pela equipe psicossocial do NAE, sem nenhum julgamento. Havendo a necessidade de um atendimento psicológico clínico, serão devidamente encaminhadas.

A falta de condições materiais e emocionais para cuidar de uma criança constituem as motivações principais da entrega espontânea. São comuns situações em que a mulher é usuária de drogas ou tem um grande número de filhos e se vê impossibilitada de assumir o bebê. Fragilizadas e com medo de procurar a Justiça, muitas mães acabam colaborando para adoções irregulares, que, quando descobertas, podem resultar na busca e apreensão da criança e penalização dos envolvidos. Adotantes homens que registram um bebê como filho para depois pedir a guarda, na tentativa de burlar a fila da adoção, por exemplo, estão cometendo um crime. Gestante que entrega o bebê mediante recompensa também. “Às vezes várias pessoas, vizinhos e parentes, dispõem-se a cuidar da criança, aí ela cresce e começa a dar trabalho, não tem quem se responsabilize por ela”, comenta Josani Campos, psicóloga do NAE. A adoção legalizada garante que a criança seja destinada a uma família que foi avaliada pela equipe psicossocial e está preparada para recebê-la, evitando sofrimentos futuros.

Vale ressaltar que mesmo quando a mãe assina a doação do filho, a prioridade é que a criança fique com a família extensa, o que não configura adoção, apenas transferência de guarda. Pai, avós, tios e até primos são procurados e, somente depois de esgotadas as possibilidades, a criança poderá ser adotada por uma família habilitada. O desfecho da história do bebê sem nome descrita nesta reportagem demonstra bem esse trâmite. A mãe havia cortado laços com toda a família, que pouco sabia sobre a gravidez. Um casal de habilitados ficou a postos ao saber do bebê, mas teve o sonho adiado quando a avó materna foi localizada e se prontificou a buscar o neto, assumindo a guarda.

Os primeiros passinhos, as primeiras palavrinhas, os primeiros dentinhos. A vontade de acompanhar todas as fases do desenvolvimento dos filhos é umas das justificativas para grande parte dos habilitados sonharem com bebês. Ainda que seja uma realidade, o encaminhamento de recém-nascidos à adoção não é tão frequente. A disponibilidade de crianças abrigadas com até três anos de idade, sobretudo quando os perfis exigem que sejam perfeitas e saudáveis, praticamente inexiste. Enquanto os sonhadores passam anos esperando pelo filho ideal, as crianças reais esperam do outro lado. A passagem do tempo é mais cruel para elas, que vão se tornando velhas aos olhos dos pretendentes cadastrados no CNA. Aquelas que estão disponíveis para a adoção têm mais a ver com Marcela, Maíra, Renata, Luca e Iuri.

*Os nomes das crianças e adolescentes abrigados foram substituídos nesta reportagem para proteger sua identidade.

Continua.

Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 1
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 2
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 3
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 4
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 5
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 6
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 7
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 8
Infância e adolescência entre muros – Nathalia Corsi – Capítulo 9

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